terça-feira, setembro 26, 2006

"O Chico Marado"


Chamava-se Francisco mas todos os seus amigos o conheciam por "Chico Marado". Tudo porque o rapaz era dado à maluqueira. Fartava-se de fazer disparates e a verdade é que as pessoas até achavam piada a alguns, mas não a todos.
Seja como for estava sempre rodeado de amigos e amigas e, apesar disso, sentia-se sempre só. Pelo menos era o que confidenciava a um amigo, o mais intimo.
Um belo dia o rapaz decidiu tomar um rumo, como ele dizia, radical. Pegou nas suas "tralhas" com que habitualmente fazia as suas escaladas nas montanhas e partiu sózinho. O seu pensamento era povoado por uma só ideia. Se me sinto sempre só, rodeado de pessoas (que muitas vezes me maçam), vou subir a uma montanha e habitar no seu topo.
E se melhor o pensou, melhor o fez. Sem dizer nada a ninguém o rapaz partiu. Escolheu a maior montanha e iniciou a escalada, disposto a não deixar possibilidades de retorno, porque não queria retornar.
Depois de uma longa escalada, atingido o topo da montanha, o "Chico Marado" atirou toda a tralha, montanha abaixo, porque achava que não teria necessidade de regressar.
No topo da montanha o Chico achava-se um rei. Ninguém sabia onde ele estava e por isso ninguém o viria incomodar. E ele mesmo estava agora, graças à sua vontade, impossibilitado de voltar.
Os dias sucediam-se. Os poucos biscoitos que tinha levado consigo estavam a acabar. Ele achava que seria fácil arranjar caça para poder sobreviver mas a verdade é que, ao fim de cinco dias, apenas tinha apanhado um coelho. Ainda por cima era pequeníssimo.
Com o passar dos dias a solidão tornou-se insuportável para ele. Começou a lembrar-se de sua casa, da sua família e dos seus amigos. Com fome e sem ninguém acabaria por admitir a possibilidade de retorno. Foi aí que se lembrou que tinha, por assim dizer, "cortado o cordão umbilical". Estava impossibilitado de voltar.
Os dias sucediam-se e o rapaz estava cada vez mais fraco. Em determinada altura, estando a dormir, foi acordado por uma voz conhecido que o chamava. Era o seu amigo Bruno, aquele a quem costumava contar quase tudo sobre si. É claro que não lhe tinha contado sobre a sua intenção de fugir para a montanha, nem isso seria necessário. O Bruno sentia que o seu grande amigo andava tenso e estava a pensar em fazer algo drástico. Ficou, por isso, atento porque sabia que poderia ter necessidade de ir em seu socorro.
No dia em que o Chico resolveu partir, sem que ele se apercebesse, o Bruno seguiu-o. Não foi difícil imaginar o que ele iria fazer. O bruno sabia, e partilhava, do gosto pela escalada. Tendo visto para onde ele subia, deu-lhe alguns dias de avanço e depois, munido de material suficiente para si e para o amigo, subiu a montanha; depois foi só procurá-lo, no topo. Havia já alguns dias que o Bruno vigiava o amigo. Tinha notado o seu desânimo e, por isso, naquele dia deixou que ele adormecesse e aproximou-se.
É claro que, ao acordar ao som daquela voz conhecida, o Chico Marado nem queria acreditar.
Depois de algum tempo para retempero de forças,(para isso contribuiu a ração que o amigo levou) foi só regressar, com a ajuda do material e do apoio do amigo.
A partir desta experiência o Francisco passou a ter mais juizo e a valorizar aquilo que outrora considerou banal e sem grande interesse.

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