quinta-feira, março 18, 2010

O Meu Pai

Amanhã (dia 19) comemora-se o dia do Pai e eu, apesar de ter perdido o meu com apenas onze anos, lembrei-me mais uma vez dele. Homem de trabalho, de acção; pela defesa da sua família era capaz de quase tudo. Para sustentar os filhos (dos dez nascidos apenas sobreviveriam seis) trabalhava, juntamente com a minha mãe, de sol a sol na lavoura mas dadas as circunstâncias da altura (tinha de cultivar as terras mas a maior parte dos produtos tinha de ser entregue aos donos) cedo verificou que por ali não ia a lado nenhum. Rapidamente enveredou pela profissão de mineiro trabalhando em vários locais do país, sobretudo nas minas da Borralha. As condições de trabalho (nomeadamente ao nível da segurança) eram nenhumas mas mesmo assim era difícil encontrar onde trabalhar.
Certa altura em que deixou de ter trabalho, e depois de ter tentado tudo para encontrar uma alternativa, regressou a casa desanimado e extenuado. Quando à noitinha estava por de trás da casa ouviu os meus irmãos a pedir pão à minha mãe e reparou que ela ignorava os seus pedidos já que o não tinha para lhes dar.
Mesmo assim cansado não entrou em casa e, sem dar a conhecer a sua presença, regressou para de onde tinha vindo, andando toda aquela noite por montes e vales, para no dia seguinte voltar a procurar onde trabalhar.
Era um homem alto e corpulento. A sua fama de lutador (nomeadamente no chamado jogo do pau) era reconhecida lá na terra, sendo conhecido por “o da pinta” (por causa de uma mancha vermelha que tinha no rosto). Quando havia barulho as pessoas não chamavam o regedor mas sim o meu Pai. Ele aproximava-se dos zaragateiros e dizia: “Isto é para acabar a bem ou a mal?”. Se eles parassem por ali ele mandava cada um para sua casa e tudo ficava resolvido; se o não fizessem batia em ambos e resolvia-se o assunto dessa forma.
Apesar de ser tão combativo, dificilmente haveria entre os homens alguém que amasse mais a sua família e que se importasse tanto com as necessidades dos outros. Homem respeitado também pela sua honestidade, acabaria por se afastar da igreja católica por causa de uma grande injustiça cometido pelo sacerdote da aldeia que se recusou a entrar com o compasso em minha casa, pela Páscoa, apenas porque o meu Pai não teve dinheiro para pagar o que era devido ao padre. A partir daí deixou de entrar na igreja e, quando a minha mãe rezava o terço em casa com os filhos, ele dormia dizendo que se recusava a “rezar por conta”. Dizia ele que “quem rezava por conta (as contas do rosário) desconfiava de Deus”.
Tinha pouca paciência para quem andasse devagar. Sempre que íamos a algum lado estava sempre a pedir-nos que “deixássemos andar as pernas”. Se me segurava pela mão eu sentia-me seguro, apesar de (literalmente) arrastado.
Só me bateu por três vezes e sempre com muita justiça mas ainda hoje me consigo lembra da sua mão, grande e calejada, a cair-me em cima.
Por causa da vida que teve (trabalhando nas minas sem qualquer máscara) acabaria por morrer aos 56 anos vitimado pelo pó que entretanto se lhe acumulou nos pulmões.
Alguns anos antes de morrer, já bastante doente e com quase todos os filhos a trabalhar no Porto e Matosinhos, lembro-me de o ouvir dizer: “Quando tinha saúde e apetite não tinha o que comer agora que os meus filhos me mandam tanta coisa não tenho saúde nem apetite”.
Entre muitas recordo aqui duas vivas memórias que guardo dele (uma triste e outra alegre) uma têm a haver com as duas vezes em que vi o meu pai chorar. Na primeira as suas lágrimas foram motivadas pelo não comparecimento dos meus irmãos (como estava combinado) a uma ceia de Natal e a segunda quando o meu irmão Alfredo foi para o serviço militar; esta última, explicava o meu pai, teve a haver com o facto do Alfredo ser muito impulsivo e ele achar que, por isso, se ia dar mal por lá. Quanto à alegre é a lembrança que tenho de uma noite de Natal em que todos os meus irmãos compareceram e ele, sentado no “preguiceiro” (banco de madeira semelhante a um sofá) assistia feliz, com um sorriso de orelha a orelha.
Ainda viveu a tempo de ver chegar o telefone lá à aldeia e, quando fez uma visita rápida aos meus irmãos em Matosinhos, chegou a ver televisão a preto e branco. Apesar de não saber ler nem escrever aceitava muito bem o que de moderno ia aparecendo. Só não apreciava muito quando as minhas irmãs vestiam (era a moda da altura) saias travadas que ele chamada de “saias de passareca”.
Que pena que o meu Pai tivesse vivido naquele tempo; que apenas tivesse conhecido um neto e não pudesse acompanhar por algum tempo os melhores momentos da vida dos seus filhos. Que pena que ele não tivesse conhecido o Evangelho que, estou certo, ele abraçaria facilmente.
Mas, acreditem, o seu exemplo ficou e continuo a sentir pela sua memória um enorme respeito e saudade.

7 comentários:

Davide Vidal disse...

Abraço! Lembrar que temos sempre conosco "O Pai de toda a consolação"

Vilma disse...

Um abraço amigo. :)
Feliz dia do Pai, porque também és pai e tenho a certeza que um bom pai.
DVA

Lídia disse...

não há melhor sensação do que estar nos braços de alguém que nos ama incondicionalmente apesar das nossas falhas
de alguém que, em tempos, com paciencia e amor, nos ensinou a escrever o nosso nome
de alguém que sorri quando sorrimos
que dá uma gargalhada com as nossas piadas mesmo que mais ninguém ache graça
que luta por nós todos os dias
que nos ajuda a levantar quando caimos ( e olhem que eu andava sempre com os joelhos esmurrados)
que parava as suas tarefas para dedicar tempo a brincar connosco(apesar de nem sempre me deixar ganhar)
de alguém que quando tinha de ralhar sofria mais do que nós que levavamos o ralhete
que nunca nos deixou perceber que nem sempre havia comida suficiente
que se manteve firme na fé e na oração quando passamos por momentos complicados a nivel de saúde
que nos ensinou a viver com rectidão
que, junto com a minha mãe, sempre nos fizeram sentir que, mesmo que lá fora o temporal assuste, temos sempre o nosso refúgio junto deles, onde estamos seguras.
falei no plural porque, de tudo o que o meu pai e a minha mãe me deram, a minha irmã é do que mais precioso tenho na minha vida.

Um beijinho pai.o teu dia é hoje e todos os outros.
amo-vos muito.

Jorge Oliveira disse...

Excelente texto amigo ZéCarlos.
É bom reconhecermos e honrarmos as nossas origens.

Aceita um forte abraço.

José Carlos disse...

Obrigado Davide. É verdade que, em Deus, encontrei um pai a cujos calcanhares nem todos os pais deste mundo chegariam.
Grande abraço.

Vilma, obrigado pela simpatia. Um abraço amigo.

Jorge obrigado e um grande abraço também.

Lídia que texto tão lindo. Quase me apetece substituir o meu pelo teu. Mas devo reconhecer que, no que dizes, transparece muito da tua extraordinária generosidade. Não mereço tanto.
E já sabes que todos os dias eu agradeço a Deus as filhas (tão especiais) e a mulher extraordinária que Ele me deu.
Beijinhos grandes

sara disse...

e já eu não consigo escrever nada porque não consigo parar de chorar!
gosto muito de ti, pai. e da mãe e da mana.
tu, pai, mereces tudo! porque nos deste tudo, também.
tenho tanta pena de não conhecer o avô! mas tenho a certeza que tu nos educaste para ser como somos também por causa dele. e acredito que fizeste um bom trabalho! :)
obrigada!

beijos grandes

ps. tenho saudades vossas. prá semana estou aí.

José Carlos disse...

Beijinhos filhota. Também temos saudades tuas. Temos sempre...
Cá te esperamos para a semana.